A sempre agitada vida de quem mora em Buenos Aires se assemelha com a maioria das principais metrópoles do mundo. Aquela intensidade da vida moderna que nos empurra em direção a uma sensação de sufoco, como se fossemos realmente só mais um entre tantos outros. E claro, alguns cidadãos transferem seu foco para a busca do excepcional, do privado, para aquela sensação de exclusividade que cada vez mais rareia para a maioria. Estes cidadãos querem é se encontrar em um lugar como o Club 647.
O restaurante realmente faz jus ao seu nome e cuida com esmero os detalhes para criar um clube privado. O staff impecável prontamente se encaixa com a proposta, conduzindo os clientes pelos salões que misturam uma decoração minimalista e de linhas retas com certos exageros de ares kitch.
No mezanino, a chamada dinning suíte, uma sala com apenas uma colossal mesa de dezesseis lugares e alguns sofás compondo um ambiente de estar íntimo. Já era hora de um scotch, cowboy, mas segurei a onda.
Ao lado da barra, uma área reservada pelo pequeno desnível que a contorna traz um convite aos preguiçosos e aconchegados. Espreguiçadeiras, luz mais baixa ainda e algumas bandejas. Só falta tirar os sapatos, mas os imensos espelhos nos encaram para lembrar que o lugar é público.

Do outro lado, boxes com encostos altos e adornados, assim como nos banheiros, com fotografias de modelos insinuando certos comportamentos... libidinosos.
A barra, que definitivamente não tinha o mesmo charme do resto da casa, foi a parada obrigatória. Independente do seu apelo visual, todos sabem que só um rostinho bonito não faz a vida ir pra frente. Então encosta aqui comigo.
Uma excelente carta de tragos de autor sempre traz aquele problema, aquele bom problema: mas qual pedir? Enquanto os olhos viajavam pelos ingredientes interessantes, a equipe já se movimentava com uma precisão digna de show, em um processo quase industrial.

Mas, né, então, por favor. Uma entrada antes do álcool, só pra garantir. Um carpaccio de ternera com huevo mollet y vinagrete de tomate defumado. Você olha o ovo ali e pergunta: what the fuck? Mas a receita é extremamente saborosa.
E veio o primeiro, provado e aprovado drink: Dragon Bols, com Ginebra de Chiles, manga, Triple sec, suco de laranja e sal temperado.
Seguindo a carta autoral, desceu um Catch-A-May, com vodka de tilo, xarope de camomila, licor Strega e bebida de ervas. Palmas, por favor.
Para tudo e vamos comer de novo que o cardápio do restaurante é fantástico. Chamava-se Pato em Tres Cocciones, com a ave servida na tríade magret, confit e como recheio de uma torta com molho de maracujá. Um motivo lindo para começar a criar patos.
Voltamos a barra para mais duas, noite insaciável. O Poisonville, assinado por Julián Diaz, levava gin, flores de lavanda e suco de lima. No outro lado, representando Inés De Los Santos, o Cantaloupe Island: tequila reposado, melão, licor Strega, chá Earl Grey e manjericão roxo.
O favorito da noite, vertido mais vezes do que seria prudente comentar aqui, foi o italianíssimo Vitapirena. Anota ai: vodka de lemon grass, mel, gengibre, limoncello e suco de lima. Tão cheiroso que eu usaria como perfume.
Ainda dava tempo de uma sobremesa, claro. Semi-freddo de maçã com crumble de avelãs e creme de canela.
E claro, um refrescante Cucumelo Margarita, com tequila reposado, Gancia, pepino e suco de pomelo.
Com $28 (R$15) para cada copo se resolviam os assuntos aqui. Irretocável noite neste canto de San Telmo. Irrepreensível experiência para quem busca aquele cantinho só seu e de outros poucos, velhos conhecidos. Irascível não poder fazer isso todos as noites, e incompreensível que raras as cidades que reservam tantas surpresas como essa boemia Buenos Aires.

Club 647
Tacuarí 647 (esq. Mexico) - San Telmo
Cap. Federal - Buenos Aires
(11) 4331 3026
www.club647.comMapa